Oxenfree — jogando pela primeira vez, de novo (Análise)

Imagine um demônio te avisando que você viveu essa vida várias vezes e, surpreendentemente, toda vez que ela repete, é como se tudo fosse novo, a primeira vez.

Levando em consideração a fala de Nietzche, nossas vidas, presas nessa eternidade de repetições, não nos deixam experimentar algo novo, mas nos permitem amar, sentir, sofrer, e descobrir como se fosse a primeira vez. Seria isso um fato para vislumbrar a vida com as chances que temos para se aproveitar o máximo, ou algo que poderia nos entristecer ao saber que nossas vidas se repetem incessantemente?

Perguntas assim geram vários tipos de reações, e cabe ao jogador de Oxenfree lidar com essa teoria. Quem jogou sabe que jogou… Ou não percebe… Sabemos que não há vez como a primeira, pois após ela a sensação vira comum, algo que acaba se tornando um caminho sem volta. Mas se já experienciamos a vida, será que nossas decisões importam? Deveríamos tomar outras decisões? Mas como vou saber se fugi dessa bagunça que são as repetições?

Aí que está, você nunca vai saber. As decisões que te levaram à vida de agora foram as mesmas anteriores junto desse medo e estranheza, é tudo como se fosse a primeira vez, e ao mesmo tempo não fosse.

Agora que deixei minha mensagem, onde eu estava mesmo? AH SIM! Oxenfree é um jogo thriller inspirado em séries “coming-of-age” e terror sobrenatural. Por ser o primeiro jogo do Night School Studio, é de se esperar que seja curto, assim como a vida do jogador (mas isso não o impede de ser divertido).

Você entra na pele de Alex, uma adolescente voltando para sua terra natal com seu novo meio-irmão Jonas. Alex está (tentando) passar o tempo com seus antigos amigos Ren, Nona e Clarissa.

Edward’s Island (Ilha de Eduardo) se encontra repleta de ondas e frequências de rádio com uma história tão fácil de acompanhar que se derem uma prova sobre ela você tira nota 10… Claro, se você prestou atenção e ouviu as mensagens e placas espalhadas pelo jogo.

Os personagens se comunicam com uma progressão natural, onde você pode ser sarcástico, indiferente ou silencioso, acalmar as tensões ou piorá-las, unir seus amigos ou separá-los (o que me lembra das vezes que saía com alguns de meus próprios amigos).

O evento que segue depois da primeira cena sobrenatural — que se passa em uma caverna —  leva Alex a questionar sua compreensão de tempo e descobrir a verdade que a ilha esconde simultaneamente.

Alex tentou salvar seus amigos e resolver um erro que estava enterrado no passado.

Já se perguntou como seria voltar no tempo? Voltar para uma época mais feliz com alguém que você sente falta, onde você pode dizer pra ela como está, falar que a ama mais uma vez e talvez até tentar mudar os eventos que levaram ela a se distanciar de você?

É algo bobo que carregamos dentro de nós, nos arrependemos dos mesmos erros de tantas pessoas e ao mesmo tempo estamos cansados de clichês como “diga o quanto você ama as pessoas, pois um dia será tarde demais”. Algumas lições só aprendemos na pele porque o ensinamento que vem com o conselho não significa algo sem a experiência que leva a esse aprendizado.

Agora, mesmo se você realmente pudesse voltar, você consertaria? Porque talvez esse erro tenha feito você crescer e levar as coisas da maneira que são agora. Sim, este não é um “agora” perfeito, mas será que ele também não era assim naquela época? Você saberia aproveitar esse tempo se soubesse o quanto ele vale?

Bom, eu vou dizer a frase, então se prepare. “Você só sabe o valor das coisas quando as perde”. Isso ou alguma outra coisa que seu tio chato dizia na mesa de jantar e estragava o clima de tudo e no fim das contas você só queria terminar o prato o mais rápido possível para voltar pra casa e assistir desenho.

Durante sua jornada, Alex tem diversas chances de mudar seu passado, mas será que ela deve? Cabe ao jogador tomar essas decisões por ela enquanto a resposta é refletida com cada desafio e cada mensagem deixada pelos demônios, que te deixarão cada vez mais próximo da verdade da ilha, que esteve ecoando, perdida, durante todos esses anos.

No final, Alex volta para casa, se questionando sobre o que aconteceu. Mas, com o tempo, os detalhes de sua aventura vão se esvaindo. Mesmo que tudo possa ter sido um sonho ou um mero devaneio, se dissipando entre as ondas, ela ainda precisa fazer outras coisas, como se reencontrar com seus amigos.

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Imagine um demônio te dizendo que você já viveu essa vida várias vezes, sofrendo ou sorrindo como se fosse a primeira… vez? Você já ouviu isso?

Letras se formam na cabeça de Alex, e respostas que ela antes não encontrava estão na sua frente. O demônio diz que não há fuga desse sofrimento. Aconteceram tentativas no passado, e várias serão feitas no futuro. Todas essas variabilidades são fúteis, a linha do tempo apenas muda um detalhe ou outro, mas todos eles estão sempre no presente, passado e futuro ao mesmo tempo.

Perceba as mensagens deixadas para trás, ou para frente. Seria possível uma outra saída? Uma história diferente, com um final feliz e com todos juntos? Todo sofrimento pode ser evitado se ouvirmos o que temos a dizer. Nosso conhecimento de outros ou até nossa própria sabedoria refletem por um tempo que talvez se torne um importuno para nós. Mesmo assim, o importante é a mensagem que foi dada, seja como gesto bondoso ou o contrário. O sofrimento eterno não é limitado, mas também não é infinito, pois esse tempo também é contado. A ideia de eternidade e infinitas possibilidades vão além da capacidade humana.

As mensagens deixadas para Alex devem ser refletidas por todas suas versões, do mesmo jeito que as mensagens deixadas para o jogador devem ser ponderadas pelo resto de sua finita e infinita existência, no tempo que elas ocorrem, se ocorrerem. Se tudo realmente repete, faça uma vida que você queira viver de novo.

Eu devo ter me perdido nas repetições, devo ter dito elas e não percebi, mas é tudo como um sonho que se repete.

O jogo? Ele possui uma estética simples que agrada o olho, se movimentando em um mundo de plataformas, uma trilha sonora que alimenta a sensação de madrugada, andar na praia, passar tempo com os amigos e a sensação de “algo errado” no ar. A ilha tem seus segredos escondidos com a verdade perdida. Mas se está lendo até aqui, jogue de novo, você vai adorar.